sexta-feira, 29 de abril de 2011

A HISTÓRIA OFICIAL

Ficha do Filme:
  • Título original: Historia Oficial, La
  • Diretor: Luis Puenzo
  • Elenco: Norma Aleandro, Héctor Alterio, Chunchuna Villafañe, Hugo Arana, Guillermo Battaglia, Chela Ruiz, Patrício Contreras, Maria Luisa Robledo
  • Gênero: Drama
  • Duração: 113 min
  • Ano: 1985

A História Oficial: uma tragédia argentina

As feridas abertas pela mais recente ditadura militar na Argentina ainda sangram. Este é o tema do filme “A História Oficial".
Produzido no auge do questionamento da ditadura, se passa em 1983. Apresenta a história de Alicia Ibañez, uma rígida professora de História que sempre ensinou a "História Oficial", da tradição republicana argentina e seus grandes heróis.
Mas quando uma velha amiga volta do exílio e conta como foi perseguida e torturada, revelando os horrores dos porões da ditadura, ela começa a questionar as estranhas circunstâncias da adoção de sua filha. A criança havia sido trazida pelo marido, que, sem maiores explicações, disse somente que a mãe a havia abandonado. A partir de questionamentos de seus alunos, e também do início da divulgação dos crimes da ditadura, Alicia toma conhecimento dos “boatos” sobre os raptos dos “filhos de desaparecidos", e começa a achar que sua filha pode ser uma destas crianças.
Nesse momento, o regime iniciado em 1976 está nos estertores finais. Após um conturbado período de inquietação e insegurança social e radicalização política de direita e de esquerda, as Forças Armadas, impregnadas pelo anticomunismo, realizam intervenção militar baseada na Doutrina de Segurança Nacional . A instauração do regime ditatorial é imediato (Estatuto para o Processo de Reorganização Nacional, 31/03/1976): suspensão da Constituição, restrição às liberdades civis e às atividades políticas, controle da imprensa e concentração dos poderes nas mãos do Executivo.
O regime inicia então a chamada “guerra suja”, uma campanha de detenção ilegal, tortura e assassinatos voltada contra grupos esquerdistas e, posteriormente, contra todos os opositores, de qualquer corrente ideológica.
Caçando, prendendo e torturando os integrantes das organizações “subversivas”, seus parentes e amigos, a guerra suja rapidamente alcançou um alto grau de complexidade e organização, com a instalação de aproximadamente 340 CCDs (Centros Clandestinos de Detención). Esta política sistemática de perseguição e pavor criou a categoria dos "Desaparecidos", pessoas seqüestradas em casa, na rua ou no trabalho e que nunca mais foram localizadas.
A principal idéia dos militares era instaurar o pavor entre a sociedade civil, para estimular as denúncias e coibir a oposição. Até o fim do regime, cerca de 30 mil argentinos morreram ou desapareceram, de acordo com entidades de direitos humanos (estimativas conservadoras falam em 15 mil vítimas).
O horror atingiu até crianças inocentes, filhos e filhas dos presos políticos; crianças que viram seus pais serem seqüestrados no meio da noite ou que nasceram nas prisões. Uma rede ilegal de “adoção paralela” foi formada por famílias de oficiais e colaboradores civis do regime. Toda criança “recolhida” era encaminhada à adoção “extra-oficial” e escondida, tendo sua identidade modificada. Assim, buscava-se “sanear” a sociedade argentina, inserindo os filhos dos subversivos junto à “gente de bem”.
Como resultado deste processo, existe hoje na Argentina um número indeterminado de pessoas, “filhos de desaparecidos” que podem ainda estar vivendo sob identidade falsa, com uma família adotiva. Segundo levantamento da associação Abuelas de Plaza de Mayo, cerca de 75 já foram localizados e atualmente vivem com suas famílias verdadeiras ou ao menos as conhecem.
É nesse contexto que surgem os questionamentos da personagem Alicia. Ela começa a pesquisar a história do nascimento de sua filha; procura hospitais, arquivos, entidades de direitos humanos. E nessa busca termina por encontrar a avó verdadeira de sua filha, uma das Abuelas da Praça de Maio. Enquanto isso, o marido insiste em continuar negando a verdade, o que termina por destruir sua família. Seus colegas de trabalho - aparentemente ele é funcionário de um dos ministérios com sede na Praça de Maio - também estão bastante inquietos com o fim do regime, e, para "piorar", seu pai e irmão, anarquistas, questionam seu enriquecimento e suas atitudes. O mundo de sonho e fantasia de ambos desmorona.
”A História Oficial” retrata uma época de grandes mudanças e descobertas na Argentina. A ditadura ruía por dentro e seus crimes apareciam a cada dia na TV. Enquanto a burguesia enriquecida (Alicia) tentava manter os olhos fechados, a burocracia corrupta e conivente (Roberto, o marido) se desespera, temendo cair em desgraça. Sara, a abuela, é o retrato da busca pela verdade, e Ana, a filha, é a prova viva dos crimes da ditadura.
Em momento revelador do filme, Alicia desespera-se ao intuir a verdade sobre sua filha e pergunta a um padre o que fazer. Este aconselha o esquecimento e o silêncio, e no diálogo fica claro que participou diretamente do processo que levou a pequena Ana àquela família. O padre, conivente e apoiador da ditadura, é uma peça fundamental para a compreensão do esquema de rapto de crianças e do papel da Igreja como aliada do regime.
A personagem Alicia é o retrato da própria Argentina, que não quer ver o passado, mas é forçada a isto porque este está dentro de casa, cercando-a, ameaçando-a; não é mais possível fugir da verdade.
Após uma fracassada aventura militar (Guerra das Malvinas, 1982), a ditadura entra em colapso. Durante a transição democrática (1983-1990), tem início a busca da sociedade argentina pela verdade. Um intenso movimento de investigação é realizado pelas entidades de direitos humanos; a Comissão Nacional sobre Desaparição de Pessoas identifica cerca de 9.000 desaparecidos e revela a localização de diversos Centros Clandestinos de Detenção; imprensa e sociedade civil pressionam pela punição de todos os envolvidos nos crimes do regime autoritário.
Estas ações e o clamor por justiça amedrontam os militares e colaboradores, que, temendo retaliações, acusam e ameaçam os investigadores, pressionando pela “reconciliação nacional”. Esta situação encontra-se bem retratada no filme pelo desespero do personagem Roberto.
Prevendo a reação, o próprio regime já havia decretado a “Autoanistia” (Lei n° 22.924, de 23/03/1983, posteriormente anulada), inocentando os “subversivos”, mas também eximindo os militares. Temendo as freqüentes sublevações dos militares ameaçados, o governo redemocratizador de Raul Alfonsín (1983-1989) assumiu posições moderadas: com a promulgação da “Lei Ponto Final” (nº 23.492 de 03/09/1986: eximindo todos os processados, exceto os envolvidos em ocultação de menores) e ”Lei da Obediência Devida” (nº 23.521 de 04/06/1987), eximiu todos os oficiais subalternos das três Armas.
Em 30 de dezembro de 1990 o presidente Carlos Menen decreta indulto geral para mais de 300 envolvidos, inocentando assim todos os militares de alta e baixa patente envolvidos na repressão, não contemplados pelas leis anteriores.
Assim os poderes constituídos realizaram uma “anistia branca”, não-oficial, mas que efetivamente protegeu todos os responsáveis pelos crimes contra os direitos humanos. A questão não foi resolvida e ainda convulsiona a vida política argentina. Porém, a sede de justiça expressa em “A História Oficial”, precocemente tematizando um dos fatos mais chocantes e peculiares do passado recente do país, é um sinal de que as feridas são profundas, mas podem cicatrizar.

(http://historiografo.blogspot.com/2009/06/historia-oficial-uma-tragedia-argentina.html)




sábado, 9 de abril de 2011

TEMPOS MODERNOS


Ficha Técnica:
  • Título original: Modern Times
  • Diretor: Charles Chaplin
  • Elenco: Charles Chaplin, Paulette Goddard, Henry Bergman, Chester Conklin, Gloria DeHaven
  • Gênero: Comédia
  • Duração: 83 min
  • Ano: 1936

RESUMO

Trata-se do último filme mudo de Chaplin, que focaliza a vida urbana nos Estados Unidos nos anos 30, imediatamente após a crise de 1929, quando a depressão atingiu toda sociedade norte-americana, levando grande parte da população ao desemprego e à fome.
A figura central do filme é Carlitos, o personagem clássico de Chaplin, que ao conseguir emprego numa grande indústria, transforma-se em líder grevista conhecendo uma jovem, por quem se apaixona. O filme focaliza a vida do na sociedade industrial caracterizada pela produção com base no sistema de linha de montagem e especialização do trabalho. É uma crítica à "modernidade" e ao capitalismo representado pelo modelo de industrialização, onde o operário é engolido pelo poder do capital e perseguido por suas idéias "subversivas".
Em sua segunda parte o filme trata das desigualdades entre a vida dos pobres e das camadas mais abastadas, sem representar contudo, diferenças nas perspectivas de vida de cada grupo. Mostra ainda que a mesma sociedade capitalista que explora o proletariado, alimenta todo conforto e diversão para burguesia. Cenas como a que Carlitos e a menina órfã conversam no jardim de uma casa, ou aquela em que Carlitos e sua namorada encontram-se numa loja de departamento, ilustram bem essas questões.
Se inicialmente o lançamento do filme chegou a dar prejuízo, mais tarde tornou-se um clássico na história do cinema. Chegou a ser proibido na Alemanha de Hilter e na Itália de Mussolini por ser considerado "socialista". Aliás, nesse aspecto Chaplin foi boicotado também em seu próprio país na época do "macartismo".
Juntamente com O Garoto e O Grande Ditador, Tempos Modernos está entre os filmes mais conhecidos do ator e diretor Charles Chaplin, sendo considerado um marco na história do cinema.

CONTEXTO HISTÓRICO

Em apenas três anos após a crise de 1929, a produção industrial norte-americana reduziu-se pela metade. A falência atingiu cerca de 130 mil estabelecimentos e 10 mil bancos. As mercadorias que não tinham compradores eram literalmente destruídas, ao mesmo tempo em que milhões de pessoas passavam fome. Em 1933 o país contava com 17 milhões de desempregados. Diante de tal realidade o governo presidido por H. Hoover, a quem os trabalhadores apelidaram de "presidente da fome", procurou auxiliar as grandes empresas capitalistas, representadas por industriais e banqueiros, nada fazendo contudo, para reduzir o grau de miséria das camadas populares. A luta de classes se radicalizou, crescendo a consciência política e organização do operariado, onde o Partido Comunista, apesar de pequeno, conseguiu mobilizar importantes setores da classe trabalhadora.
Nos primeiros anos da década de 30, a crise se refletia por todo mundo capitalista, contribuindo para o fortalecimento do nazifascismo europeu. Nos Estados Unidos em 1932 era eleito pelo Partido Democrático o presidente Franklin Delano Roosevelt, um hábil e flexível político que anunciou um "novo curso" na administração do país, o chamado New Deal. A prioridade do plano era recuperar a economia abalada pela crise combatendo seu principal problema social: o desemprego. Nesse sentido o Congresso norte-americano aprovou resoluções para recuperação da indústria nacional e da economia rural.
Através de uma maior intervenção sobre a economia, já que a crise era do modelo econômico liberal, o governo procurou estabelecer certo controle sobre a produção, com mecanismos como os "códigos de concorrência honrada", que estabeleciam quantidade a ser produzida, preço dos produtos e salários. A intenção era também evitar a manutenção de grandes excedentes agrícolas e industriais. Para combater o desemprego, foi reduzida a semana de trabalho e realizadas inúmeras obras públicas, que absorviam a mão-de-obra ociosa, recuperando paulatinamente os níveis de produção e consumo anteriores à crise. O movimento operário crescia consideravelmente e em seis anos, de 1934 a 1940, estiveram em greve mais de oito milhões de trabalhadores. Pressionado pela mobilização operária, o Congresso aprovou uma lei que reconhecia o direito de associação dos trabalhadores e de celebração de contratos coletivos de trabalho com os empresários.
Apesar do empresariado não ter concordado com o elevado grau de interferência do Estado em seus negócios, não se pode negar que essas medidas do New Deal de Roosevelt visavam salvar o próprio sistema capitalista, o que acabou possibilitando sua reeleição em duas ocasiões.

(http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=181)



domingo, 3 de abril de 2011

JOHNNY VAI À GUERRA


Ficha Técnica:
  • Título original: Johnny Got His Gun
  • Diretor: Dalton Trumbo
  • Elenco: Timothy Bottoms, Kathy Fields, Jason Robards, Marsha Hunt, Diane Varsi, Donald Sutherland, Eduard Franz
  • Gênero: Drama, Guerra
  • Duração: 106 min
  • Ano: 1971

Único filme dirigido por Dalton Trumbo (1905-1976), roteirista importante ("Exodus", "Spartacus", "Papillon") e a vítima mais famosa do McCarthismo. Colocado na Lista Negra, foi obrigado a trabalhar sob pseudônimo e, como Robert Rich, ganhou um Oscar por "Arenas Sangrentas", em 1956, criando uma situação embaraçosa para a Academia. Foi também o primeiro a quebrar a lista, assinando "Spartacus" e "Exodus" no mesmo ano (1960).

Baseado em romance do próprio Trumbo (que existe em edição brasileira), inspirado num caso verdadeiro de uma vítima da Primeira Guerra, virou roteiro em 1964, para ser dirigido por Luis Buñuel. Foi este quem sugeriu a cena em que a enfermeira tenta matar o doente e a expansão das seqüências de sonho.

Mas basicamente é o mesmo roteiro que Trumbo rodou em 1970, com equipe mínima (os atores receberam o mínimo sindical), e que lhe deu quatro prêmios internacionais: Melhor Filme em Atlanta e Belgrado, Prêmio Especial do Júri e da Crítica em Cannes.

Ao ser lançado em 1971, em plena Guerra do Vietnã, o filme era chocante demais para ser facilmente aceito (só estreou no Brasil dez anos depois). Mas em momento nenhum, Trumbo se permitiu cair no panfletário, no efeito fácil. Não é um filme contra a Guerra do Vietnã ou a Primeira Guerra Mundial, é um libelo contra o absurdo de qualquer guerra, de qualquer situação que permita existir pessoas como Joe Bonhan (Bottoms), ferido numa explosão que lhe fez perder os braços, as pernas e o rosto.

Por isso o título é simbólico. Johnny seria um americano qualquer, um Zé da Silva. Na verdade, o romance é muito difícil de adaptar porque é basicamente um monólogo interior (por isso foi adaptado para rádio-teatro em 1941 com James Cagney).

No roteiro cinematográfico, Trumbo acelerou o primeiro clímax dramático, ou seja, a descoberta da tragédia de Johnny, para insistir mais no segundo problema: como Johnny conseguirá comunicar-se com o mundo exterior e provar que seu cérebro continua funcionando, que ainda é um ser humano.

Além disso, o romance termina com um apoio a deserção, à revolta. Trumbo criou para o roteiro um final mais forte e chocante. Todas as opções foram acertadas, assim como funcionam bem as seqüências do passado, principalmente com o pai morto (Jason Robards), que o autor confessa serem autobiográficas.

Ao contrário de "O Homem Elefante", que aborda o mesmo tema, a dignidade humana, aqui preferiram não mostrar o rosto de Joe. Mas nem era preciso.

Ele é visto em flash-backs, em seqüências oníricas, conversando com Jesus Cristo (feito por Donald Sutherland, de maneira surpreendentemente discreta) e compreendido por sua voz que exprime um pensamento que ninguém quer ouvir. Como uma espécie de monstro, de prova viva dos crimes de guerra, ele é confinado numa sala escura e escondido num hospital anônimo.

É quando o filme toca na questão da eutanásia. Se fosse permitida, Joe teria sido morto, já que ninguém poderia ouvi-lo. Por outro lado, até que ponto vale viver naquela situação? Trumbo prefere não tomar posição e transfere a responsabilidade da resposta para o espectador. Nos envolve lentamente no drama do herói até atingir dois momentos da grande sensibilidade, quando Joe sente os raios de sol entrando pela janela e a cena comovente em que a enfermeira finalmente consegue desejar-lhe Feliz Natal.

Segundo afirmava Trumbo, Johnny poderia ter o subtítulo irônico de "Dos Prazeres da Guerra", e se pudesse teria feito uma trilogia, com "Ipoméia" (sobre os prazeres de ser negro na América) e "A Tarde" (sobre os prazeres de ser pobre).

O possível panfletarismo da proposta não está, porém, no filme, que contrabalança com maestria o choque e o horror com a emoção e o humanismo e é daqueles raros trabalhos que nos atingem em todos os níveis, chegando até a provocar lágrimas, mas também nos ajudam a compreender as terríveis contradições da condição humana. Uma obra-prima imperdível.

(Rubens Ewald Filho - http://cinema.uol.com.br/resenha/johnny-vai-a-guerra-1971.jhtm)




sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Fahrenheit 451



Ficha técnica:
  • título original:Fahrenheit 451
  • ano de lançamento:1966
  • direção: François Truffaut
  • roteiro:Jean-Louis Richard e François Truffaut, baseado em livro de Ray Bradbury
  • produção:Lewis M. Allen

Uma crítica ao totalitarismo e à ditadura cultural

Nesta alegoria fantástica sobre um futuro incerto, em uma época imprecisa, os Bombeiros atuam como polícia cultural de um governo que controla o pensamento e o modo de agir da população por meio de programas de televisão interativos.

A missão dos Bombeiros: queimar livros e descobrir os "subversivos" que insistem em guardar e difundir edições das mais variadas obras, desde clássicos da literatura, a simples manuais e resenhas. Seu símbolo é uma salamandra e Fahrenheit 451 é a temperatura em que os livros começam a se incendiar.

Toda a palavra escrita é proibida, e os livros, sua maior expressão, tratados como algo proibido, pois desperta emoções e pensamentos independentes aos seres humanos.

Na história, MONTAG um promissor bombeiro que se notabiliza pela perspicácia em desvelar esconderijos e modos de guardar os livros proibidos, acaba por auto-criticar seu papel como destruidor de livros, ao, inopinadamente, se aventurar a furtar um dos volumes que deveria ser destruidos, e passar a ler seu conteúdo. A transformação que se nota em MONTAG, por influência de sua própra cosciência perturbada, e por encontros casuais com uma misteriosa professora, que o instiga a ler cada vez mais, se materializa na revelação íntima de que os seres humanos são tratados como marionetes, manejados por um poder central que controla suas vontades e seus sentimentos, por meio da imposição de uma cultura convenientemente alienante. Após colecionar uma pequena biblioteca, MONTAG, que era um exemplo para toda a sociedade, e motivo de orgulho para sua mulher, transforma-se em um marginal, ao ter o seu segredo revelado (por si mesmo, em sua perturbação agonizante para se livrar dos grilhões intelectuais que passou a enxergar), e passa a ser perseguido pelos próprios Bombeiros, antes seus companheiros de trabalho. Termina por se refugiar nos arrabaldes da cidade, onde vivem os "homens-livro", marginais daquela sociedade, cuja missão é decorar a integralidade de uma obra, para preservá-la, transmitindo-a de forma oral, de geração em geração, aguardando que a idade das trevas se acabe.

Trata-se de uma das mais fantásticas e perturbadoras críticas ao poder totalitário e à ditadura política e cultural. O pano de fundo usado pelo autor, conserva a obra sempre atual, e serve de alerta constante para os perigos da cultura de massas e à repressão da liberdade intelectual.

(http://pt.shvoong.com)

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

CASAMENTO SILENCIOSO


FICHA TÉCNICA
Diretor: Horatiu Malaele
Duração:
87 mi
n.
Ano: 2008
País: Romênia/ Luxemburgo/ França
Gênero: Drama

Há filmes que merecem ser assistidos por causa de apenas uma cena. Casamento Silencioso é um deles. Os 87 minutos de filme são instigantes, mas uma sequência em particular torna o longa romeno muito mais que um bom filme.

Esta sequência é a que justifica o título em português do filme. Num vilarejo, Nara (Meda Andreea Victor), a inocente, e Iancu (Alexandru Potocean), o conquistador, acabam de oficializar o casamento. Grigore (Valentin Teodosiu), o pai da garota, prepara a festa. Quando todos estão prontos para comemorar, um oficial russo aparece repentinamente e proíbe a realização da celebração. Por que? Era 5 de março de 1953, data da morte de Stálin, então líder da União Soviética (que comandou a Romênia da Segunda Guerra Mundial até a Queda do Muro de Berlim).

Contar o que acontece nas sequências seguintes seria um sacrilégio, tirar doce da boca da criança. Porém, não seria exagero afirmar que esse trecho é um dos mais bonitos da história do cinema. Justifica a existência de um filme e se constitui como mais uma produção a reafirmar a inventividade do cinema romeno, exibida aos brasileiros nos recentes A Leste de Bucareste, Como Festejei o Fim do Mundo e 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias.

Casamento Silencioso usa a comédia e a ironia como metáfora da sensação de prisão. A cena de celebração do casamento é cômica e triste, ao mesmo tempo. Representa, sem precisar falar, a sensação do diretor Honoratiu Malaele: fomos silenciados! Em uma sequência, expressa isso com tanta força que nos sentimos romenos entre meados dos anos 40 e final dos anos 80, período em que tudo na Romênia passava pelo crivo soviético.

Metafórico, o filme recorre ao absurdo para construir trechos em que o espectador, estarrecido, vai dizer: “oi?”. O estranhamento permeia diálogos e personagens, alguns sem pé nem cabeça. Mas Malaele, em sua estreia como diretor de cinema, busca ser compreendido e usa um gênero de fácil digestão, a comédia, para tratar de um tema nem um pouco digerível, a impossibilidade de falar e como reagimos à falta de liberdade. Casamento Silencioso é inspirador e instigante. Um filme único.

(http://cinema.cineclick.uol.com.br)




sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Distrito 9


O que é um monstro?

Por Jorge Leite Júnior

O que é um monstro? Como reconhecê-lo? Onde ele vive? E por que achamos que devemos temê-lo (se é que devemos)?

Essas são questões curiosas cujas respostas, assim como o próprio conceito de monstro, sempre são dependentes do período histórico e da cultura que as formula. Cada cultura cria seus monstros. E cada monstro só pode nascer, crescer e gerar descendentes dentro de uma cultura que o alimente e sustente, seja com carinho e glória, seja com ódio e medo, mas sempre lhe dando atenção.

Esses seres incríveis conhecidos por monstros são, por excelência, a marca explícita de algo fora dos pré-supostos de ordem, do “natural” ou, no mínimo, do conhecido. Constantemente, a monstruosidade é entendida como uma transgressão das leis estabelecidas, visando através de sua presença, inspirar temores e dúvidas ou punir contra infrações.

O termo monstro não possui uma origem muito clara. O que se sabe com certeza é que sua origem é latina, podendo vir tanto de monstra que significa “mostrar, apresentar”, quanto de monstrum, com significado de “aquele que revela, aquele que adverte”, ou mesmo de monstrare que possui a idéia de “ ensinar um comportamento, prescrever a via a seguir”.

O importante é que “monstro” é aquele que “mostra” algo: uma revelação divina, a ira de Deus, as infinitas e misteriosas possibilidades da natureza ou aquilo que o homem pode vir a ser. É, portanto, a manifestação de algo fora do comum ou esperado. Representa uma alteração maldita ou benfazeja das regras conhecidas. Mas não é apenas o terror que a figura monstruosa provoca. É também fascínio, encanto, dúvida, fonte de curiosidade e desejo.

Por isso, desde a antiguidade até pelo menos o século XVI, os monstros no Ocidente também eram classificados entre as “maravilhas” ou “prodígios” do mundo e podiam evocar tanto o medo quanto a risada através de suas formas exageradas, assustadoras ou ridículas. O monstro era então a imagem encarnada de um poder sempre além do entendimento dos homens. E como algo que “mostra” ou “revela”, o monstro, ou maravilha, se identificava pelo corpo. Independente de ser um sábio (como o centauro Quíron), ou algo terrível e perigoso (como a Medusa), era na estrutura física que se apresentava a distinção entre “homens” e “monstros”, não no caráter destes.

É somente na baixa Idade Média, com a associação do conceito de monstro com a figura do demônio, que o primeiro passa a ser entendido apenas como a encarnação de algo essencialmente destrutivo, perdendo qualquer outra face que não a da malignidade – mas mantendo ainda na corporeidade a medida de sua classificação “monstruosa”.

Por isso, a partir desse período, com a dominação da ideologia cristã na Europa, a estranheza do “fantástico” vai ser substituída em grande parte pelo temor do maligno. O demônio será de agora em diante a grande fonte geradora de monstros ainda reconhecidos não por atitudes ou intenções, mas pelo físico. Quanto mais esse período chega ao fim, maior é a associação entre o mal e o monstro. Dessa forma, tanto figuras míticas quanto pessoas com corpos distintos, consideradas “deformadas” ou “aleijadas” comungam da idéia de “monstro”, “maravilha” e, cada vez mais, de “periculosidade maligna”.

Culminando este processo, surge a caça às bruxas no século XVI, na qual a Igreja vai identificar o ser delinqüente, satânico e anormal na figura da mulher, preferencialmente a feiticeira, o corpo estranho por excelência em uma cultura fundamentalmente organizada em torno de valores inventados como “masculinos”. Não por acaso, a chamada “caça às bruxas” foi às bruxas, não aos bruxos.

As apresentações de estranhezas humanas já são um grande sucesso na Europa desde o Renascimento, mas é no século XIX, na América do Norte, que tais eventos vão alcançar o auge de sua “profissionalização”. Com o sucesso causado por esses “fenômenos”, surge toda uma cultura de espetacularização do estranho e anormal como um negócio extremamente lucrativo, que vai estar na raiz da nascente cultura de massas. Nascem assim os freak shows, espetáculos em que são apresentados para apreciação pública todo o tipo de coisa estranha, esquisita ou bizarra. O grande sucesso desses eventos se deve às chamadas “anomalias” e “deformidades” humanas. Os mais variados e distintos físicos expõem-se à admiração como verdadeiros monstros e prodígios da natureza, e com isso ganham a vida, fazem carreira e alguns poucos até acumulam fortunas.

Nesse mesmo século, em 1832, o zoologista francês Geoffray Saint-Hilaire cria a “teratologia”, a ciência que estuda as deformidades do corpo. Para se diferenciar dos tratados sobre monstros e prodígios de até então, que misturavam as explicações orgânicas com as mágicas e espirituais, o autor abandona a raiz latina e deriva o nome desse novo ramo da medicina do grego terato, significando ainda “monstruosidade, anomalia”, e originado de terás, “o sinal enviado pelos deuses, uma coisa monstruosa”. Cria-se uma outra nomenclatura, mas seu significado continua o mesmo: o deformado físico é um monstro. A medicina acaba colaborando para a manutenção do caráter de alteridade e estranheza da pessoa de corpo “anômalo”. Os antigos monstros e bufões tornam-se agora erros da natureza; a maravilha corporal é entendida como doença e o medo que antes causavam passa a inspirar pena.

Com o aumento do processo de “desencantamento do mundo” e de tecnologização da existência, a concepção de monstro teve obrigatoriamente de migrar, no século XIX, do corpo para a mente. Já que na crença científica o mundo exterior não traz mais “maravilhas”, apenas aleijões, restou ao homem moderno procurar os encantos e horrores do mundo fantástico dentro de si mesmo. Surge então uma figura que vai assombrar o imaginário social e desestabilizar os padrões normativos até os dias de hoje: o indivíduo anormal, periculoso por si mesmo, pois, justamente, questiona e não se enquadra nas medidas “científicas” de “normalidade”. O anormal, nas palavras de Michel Foucault, “é um monstro cotidiano, um monstro banalizado ”. Mas o medo e o ódio que esta figura vai herdar continuam os mesmos.

Paulatinamente, as ditas “aberrações” orgânicas vão decrescendo no gosto contemporâneo, motivadas principalmente pelo discurso científico que as compreende como doentes que devem ser tratados, não exibidos como mercadorias exóticas, dando lugar aos “desvios” psíquicos. As deformidades que passam a impressionar o público agora vêm da mente grotesca: são os assassinos psicopatas, os masoquistas, os maníacos, e toda a enorme variedade de estranhezas psíquicas.

É nesse contexto que a teratologia proclama que os antigos monstros ou os atuais freaks não passam de doentes, de erros da natureza frente a uma norma sadia, e as nascentes ciências da psique exploram seus “degenerados” e “anormais”, enquanto a criminologia estigmatiza a aparência do criminoso e da prostituta “natos”. Da mesma forma, no campo dos estudos sobre sexualidade, aparecem os conceitos de “perversões” ou “perversidades” sexuais. Tais “problemas” são encarnados pelos recém criados freaks sexuais: a lésbica, o homossexual, o masoquista, a ninfomaníaca, o sádico, o zoófilo.

Assim, na virada do século XIX para o XX, junto às apresentações do cinematógrafo, demonstrações de mesmerismo, de acrobacias e mágicas, a psiquiatria, a psicologia e a psicanálise ganham relevância social graças ao seu próprio “circo dos horrores”. Enquanto os freaks shows apresentam seus anormais como a mulher barbada, o homem elefante, a família lobo ou o menino crocodilo, as ciências da psique constroem e apresentam tanto às conferências médicas quanto ao imaginário ocidental, a criança masturbadora, a mulher histérica, o homem neurótico, a família degenerada e, claro, os perversos sexuais. E entre todas essas novas “aberrações”, a mulher e seu corpo continuam sendo vistos com estranheza, medo e sendo alvos de uma severa desconfiança. Assim nascem os interiorizados monstros modernos.

Ora, passadas todas as revoluções culturais da metade do século XX, incluindo a “sexual”, conquistados novos espaços sociais para as ditas “minorias” tais como negros, homossexuais e mulheres, o debate sobre os monstros não se concluiu. Ao contrário, em consonância com o refluxo sociocultural conservador a partir dos anos 80, neste início de século XXI tal discussão adquiriu novo fôlego.

Assim, se hoje não enxergamos mais tantos problemas e receios no corpo sexuado da mulher, talvez seja porque transferimos tais medos para a questão do gênero feminino. A antiqüíssima “monstruosidade” feminina hoje parece estar muito mais encarnada na pessoa das travestis, transexuais e outros tantos transgêneros, que assustam e incomodam as bases conceituais sobre o que é ser homem e/ ou mulher, gerando desde a patologização científica à agressão social cotidiana e rotineira que muitas dessas pessoas vivem.

Também a figura do monstro político retorna com toda sua força atávica na idéia dos “terroristas” – arbitrariamente identificados e muitas vezes juridicamente abandonados, quando não rapidamente eliminados – sejam eles quem forem e qual a definição de “terrorismo” que se queira usar. No sexo ou na política, o monstro continua vivendo nos limites. Nos limites do gênero, nos limites das “leis da guerra”, nos limites do flexível conceito de humano.

Nosso ódio historicamente construído pelo monstro, este “grande Outro”, deve ser questionado em suas raízes e não apenas em seus efeitos. E talvez percebamos, perplexos, que o preço para se destruir um monstro é nos tornarmos monstros tão ou mais terríveis do que aquele que queríamos eliminar. Monstros? Somos nós!


Jorge Leite Júnior é mestre em antropologia pela PUC-SP e doutorando nesta área por esta mesma universidade.

Link:
http://comciencia.br/conciencia/handler.php?section=8&edição=29&id=340
ComCiência - Revista eletrônica de jornalismo científico do CNPQ


sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O SOL É PARA TODOS


S To Kill a Mockingbird

o Drama

AEUA/1962

D129 min

DiRobert Mulligan


Tudo começa na pequena cidade sulista de Maycomb na época da depressão. Atticus (Gregory Peck) é um advogado simples que vive com seus dois filhos e sua empregada sem nenhum luxo, porém com muita dignidade. Os filhos de Atticus são obedientes, responsáveis e, principalmente, educados. Mesmo ainda pequenos, já aprenderam com o pai os princípios da justiça, do respeito e da igualdade. Aliás, as duas crianças promovem cenas de pura sensibilidade, além de grande valor e significação para uma melhor convivência. A relação entre pai e filhos é harmoniosa, terna, e ainda mais solidificada, já que Atticus é pai e mãe ao mesmo tempo.

Quando aceita defender o negro Tom Robinson (Brock Peters), acusado de estupro a uma moça branca, Atticus passa a sofrer o ódio e o racismo de alguns habitantes da cidadezinha, inconformados com a defesa do advogado. Ao mesmo tempo em que leva o caso adiante, tenta proteger os filhos dos mesmos sentimentos de que é vítima sem nunca instigar ou promover a violência. No dia do julgamento, Atticus prova a inocência do réu, evidenciando a hipocrisia e o cinismo de tal acusação de caráter preconceituoso, uma vez que jamais ele deveria ter sido levado a julgamento, visto a falta de provas evidenciais. Ainda assim, o veredicto não envereda pelos caminhos da justiça e o desfecho da história é surpreendente.